Postado por: J.Gomes
Mike Mignola é muito lento para os padrões do mercado de HQs americano. Em sua primeira década como profissional, nos anos 80, suas colaborações para com a Marvel e a DC podem ser resumidas como uma minissérie, algumas artes-finais, umas capas e só. Não é o cara certo para assumir uma revista mensal, até pelo estilo sombrio e expressionista. Mas com certeza ele é o cara certo para encarar um projeto com prazo longo, como por exemplo a minissérie Odisseia Cósmica, que foi publicada pela DC em 1988.
Na época, Odisseia Cósmica alcançou certo sucesso, o que tornou Mignola alguém na indústria. Nas convenções nos EUA e pelo mundo, quando fãs vinham pedir um sketch, o artista desenhava rapidamente um demônio de chifres serrados e com cara de mau. Sem ter de pensar muito. Ele o chamou de Hellboy.
Na década seguinte, época boa para os quadrinhos nos EUA, em termos de dinheiro, e com ela uma onda de autores famosos para editorar que dessem chance de manter os direitos sobre o que criavam. Na Dark Horse Comics, Frank Miller criou Sin City, John Byrne foi de Next Men e Mike Mignola foi colocado na lista de convidados par ao selo Legend. Para fazer uma série sobre o "garoto do inferno".
A Dark Horse colocou quatro páginas de Hellboy na Comic-Con Comics #2, revista que seria distribuída na maior feira nerd do mundo. O amigo Byrne o ajudou no roteiro, porquê Mignola não estava se sentindo confiante o suficiente para fazer a história inteira sozinho. Foi em agosto de 1993, e a revista teve uma tiragem ínfima de 1.500 exemplares. No começo do ano seguinte, foi publicado Hellboy: Sementes da Destruição, a primeira minissérie oficial, com Byrne ainda ajudando nos roteiros.
Hellboy chegava ao resto do mudo. Foi somente aos poucos que a imagem da criatura vermelha, usando um sobretudo, com dois "discos" na testa no lugar de seus chifres - que Hellboy serra para renegar sua origem demoníaca e sua profecia de portador do apocalipse - e a Mão Direita da Perdição, ao mesmo tempo ameaçadora e muito cartunesca, começou a se popularizar.
Em sua própria cronologia, Hellboy chegou ao mundo em 1944, em um experimento do monge Rasputin, personagem que foi baseado no místico russo de mesmo nome, que trabalhava par ao regime nazista. Embora fosse filho do demônio Azzael, trazido ao mundo pelos ocultistas do quase derrotado Terceiro Reich, Hellboy acabou por ser adotado por um acadêmico britânico e criado entre os Aliados, no Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal. A ambientação servia como desculpa de Mignola para poder desenhar Hitler, um dos vilões preferidos dos Estados Unidos, e máquinas gigantes, alguns monstros lovecraftianos e todo tipo de coisa, criatura, que o quadrinista gostava.
Byrn incentivou Mike Mignola a continuar escrevendo sozinhos os roteiros, para realmente tornar o personagem do seu criador. Agora escritor-desenhista, o "pai" de Hellboy recorreu a outra paixão: mitos, lendas, folclores e contos de fadas de culturas distintas. A cria infernal enfrentaria, ou já havia enfrentado, em cinco décadas de atividade em seu mundo. Monstros, fantasmas e assombrações de várias regiões do mundo.
Como toda HQ de autor e sem possuir um super-herói convencional, Hellboy não era um estouro de vendas. A arte de Mignola certamente chamava, e ainda chama, atenção entre os entendidos, o que lhe concedeu publicações na Europa e no Japão. Aqui em terrar tupiniquins, a primeira minissérie do personagem foi publicada em 1998, quando fora daqui já haviam saído outras duas, mais histórias curtas e participações especiais.
Mike Mignola podia ser lento para criar, mas era bem instruído em relação ao marketing. Começou a oferecer seu personagem para crossovers com outros heróis, o que foi inteligente, pois passou a impressão de que Hellboy tinha mais renome do que realmente possuía. Encontrou em HQS a justiceira Ghost, Savage, Dragon de Erik Larsen, Painkiller Jane, além de Batman e Starman. Também ganhou versões cômicas, como Hellboy Junior, que foi deixada sobre a responsabilidade do cartunista Bill Wray. O Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal, Abe Sapien, Lobster Johnson e outros coadjuvantes, começaram a estrelar especiais e minisséries.
No final dos anos 90, já haviam rumores de um filme de Hellboy, obra dos bons contatos que a Dark Horse possuía com Hollywood. Foi em 2001 que, Guilhermo del Toro, o diretor mexicano que havia recuperado a carreira com o terror A Espinha do Diabo e que retornava aos EUA com Blade II, estava se tendo reuniões com Vin Diesel para que o ele encarnasse o garoto do inferno. O primeiro Hellboy feito para as telonas acabou ocorrendo em 2004, com Ron Perlman no papel principal. O longa teve uma boa recepção da crítica, e um retorno considerável de bilheteria, o que foi suficiente para que uma sequência fosse rodada, lançada em 2008 e com mais sucesso ainda.
Como se envolveu diretamente com os filmes, Mignola ficou ainda mais sem tempo na agenda. Depois de O Despertar do Demônio, O Verme Vencedor e mais algumas histórias menores, o artista se manteve como roteirista mas entregou os desenhos de minisséries como O Clamor das Trevas e Caçada Selvagem nas mãos do inglês Duncan Fegredo, que foi forçado a imitar, dentro do possível o estilo de Mignola. Do outro lado, o veterano Richard Corben foi convidado a fazer a arte de outras minisséries e especias do Hellboy, algumas dessas tramas foram situadas no passado do garoto infernal.
Apenas em 2012 Mike Mignola conseguiu voltar à prancheta para se dedicar ao personagem. Hellboy in Hell, que começou a sair em dezembro, é planejada como série mensal, mas, o cronograma é flexível após as quatro primeira edições saírem, a quinta só deve sair no final de 2013.
A principal narrativa de Hellboy nas HQs dão um total de um pouco mais de 60 revistas nestes 20 anos, sendo que Mike Mignola escreveu todas, mas fez a arte de menos da metade. Já as séries derivadas como B.P.R.D., já passaram das 100 edições, ou o dobro se considerarmos os especiais e minisséries com outros coadjuvantes, sendo que Mignola co-roteiriza a maioria. Sem contar os dois filmes, Hellboy também teve longas de animação, mas de dez livros em prosa, três deles foram antologias por diversos autores. A personagem também ganhou um jogo e um RPG.
O "pai" da personagem continua afirmando que tem um fim planejado para o garoto infernal desde o início, mas que não tem previsão de quando vai chegar lá. Em 2008, Mignola disse que ia levar pelos mais 15 anos. O que significa que temos pelo mais um década de HQs do Hellboy pela frente. Pra mim está ótimo já que sou fã confesso do quadrinista e da personagem e de todo seu rico universo. Feliz aniversário ao nosso demônio preferido.
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